Frase

"A Revolução Francesa começou com a declaração dos direitos do homem, e só terminará com a declaração dos direitos de Deus." (de Bonald).
São Paulo, quinta-feira, 30 de novembro de 2006

Aborto, D Pedro I e a Igreja Católica

Autor: Edson   |   15:02   Seja o primeiro a comentar

Resumo: Se se quer discutir ou criticar a posição histórica da Igreja sobre o aborto - independente da morte de D Pedro I -, creio ser mais "intelectualmente honesto" buscar saber o que Ela própria diz sobre isso ao invés consultar fontes duvidáveis, como é o caso do livro de Jane Hurst.

A Folha de São Paulo, no dia 25/11/2006, publicou uma carta da advogada Adriana Gragnani relativa ao artigo "Aborto: um dilema para o eleitorado católico" escrito por D. Bertrand de Orleans e Bragança, tetraneto de D Pedro I. Leia esse artigo aqui.

O objetivo principal da carta da Sra. Adriana é lembrar a D. Bertrand que ele se esqueceu de mencionar o fato, segundo Jane Hurst, da Igreja Católica somente ter condenado oficialmente a prática do aborto com a "Actas Apostolicae Sedis" de Pio XI (sic!), em 1869. E introdutoriamente menciona que isso aconteceu depois da morte de D Pedro I (+1834). Conclui ela que, por ser muito recente a condenação da Igreja ao aborto, é possível acreditar que o voto de católicos a candidatos pró-aborto é consciente e amadurecido.

O erro grave de lógica na argumentação da Sra. Adriana é visível, pois ela tira uma conclusão que está além do que as premissas a permitem. Se ela considera que existe alguma ligação lógica entre as premissas e a conclusão que delas tirou, então refutemos as premissas - ou uma delas - e a conclusão perderá seu "valor".

De início, apenas relato que ainda não consegui descobrir com precisão qual a relação existente entre o artigo de D Bertrand e a preocupação da Sra. Adriana em querer lembrá-lo que a condenação da Igreja ao aborto só veio depois da morte de D Pedro I. Pelo que me ficou na memória, o artigo que ela critica não faz nenhuma menção histórica a respeito do aborto. Embora lá ele mencione ser tetraneto do imperador, isso não influenciou o contexto do artigo.

Outro relato que faço é o deslize que a Sra. Adriana cometeu ao atribuir a autoria da "Acta Apostolicae sedis" ao papa Pio XI, quando na verdade é de Pio IX. Mas digamos que isso foi apenas um pequeno erro de datilografia ou então - quem sabe - um lapso de memória, tão comum a quem não conhece nada sobre a História da Igreja Católica, ou a conhece através de fontes duvidosas.

Vamos a principal premissa!

Jane Hurst, que a Sra. Adriana citou, é uma autora muito utilizada pelos defensores do aborto, artigos sobre ela se encontram no site da "Católicas(sic!) pelo Direito de Decidir", no site do PT, além de outros sites pró-aborto. O mais famoso livro de Jane é "History of Abortion in the Catholic Church" (História do Aborto na Igreja Católica), o qual a Sra. Adriana utiliza para provar seu argumento histórico. A tese desse livro é que a Igreja nunca teve uma posição clara a respeito do aborto e nem poderia ter, por causa da existência de divergências internas, entre os estudiosos católicos, a respeito desse assunto .

Se se quer discutir ou criticar a posição histórica da Igreja sobre o aborto - independente da morte de D Pedro I -, creio ser mais "intelectualmente honesto" buscar saber o que Ela própria diz sobre isso ao invés consultar fontes duvidáveis, como é o caso do livro de Jane Hurst.

Por que o livro de Jane Hurst é duvidoso? Porque ela considera - conforme citado pela Sra. Adriana - que a primeira condenação oficial da Igreja ao Aborto teria sido feita em meados do Século XIX, quando na verdade há outros muito mais antigos, como, por exemplo, a do Concílio de Mogúncia, em 847 que confirma as penas estabelecidas por Concílios precedentes contra o aborto; e determina que seja imposta a penitência mais rigorosa às mulheres "que matarem as suas crianças ou que provocarem a eliminação do fruto concebido no próprio seio" (Cânon 21 (MANSI, 14, p. 909). Cfr. o Concílio de Elvira (ano 300-305), cânon 63 (MANSI, 2, p. 16) e o Concílio de Ancira (ano 314), cânon 21 (ibid., p. 519). Poder-se-á ver também o decreto de Gregório III (+741), respeitante à penitência a impor àqueles que porventura se tornaram culpados deste crime (MANSI, 12, 292, c. 17).

Há um documento atual, escrito pela Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, intitulado "Declaração sobre o aborto provocado" (Declaratio de abortu procurato) de 18 de novembro de 1974, onde se pode ler de forma muito límpida a verdadeira posição histórica da Igreja sobre o aborto. Posição nunca mudada. Tornado-se, então, gratuita e sem realidade a tese de Jane Hurst de que a Igreja nunca se definiu sobre o assunto.

Isso dito, a premissa tão inflamante da Sra. Adriana vira fumaça.

Recomendo a todos - especialmente a Sra. Adriana - a leitura desse documento que se encontra completo no site do Vaticano: Clique aqui

Transcrevo abaixo apenas um trecho que diz especialmente ao presente tema.

SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ

DECLARAÇÃO
SOBRE O ABORTO PROVOCADO

(...)

6. A tradição da Igreja sempre considerou a vida humana como algo que deve ser protegido e favorecido, desde o seu início, do mesmo modo que durante as diversas fases do seu desenvolvimento. Opondo-se aos costumes greco-romanos, a Igreja dos primeiros séculos insistiu na distância que, quanto a este ponto, separa deles os costumes cristãos. No livro chamado Didaché diz-se claramente: « Tu não matarás, mediante o aborto, o fruto do seio; e não farás perecer a criança já nascida » [6] . Atenágoras frisa bem que os cristãos têm na conta de homicidas as mulheres que utilizam medicamentos para abortar; ele condena igualmente os assassinos de crianças, incluindo no número destas as que vivem ainda no seio materno, « onde elas já são objecto da solicitude da Providência divina » [7] . Tertuliano não usou, talvez, sempre a mesma linguagem; contudo, não deixa também de afirmar, com clareza, o princípio essencial: « É um homicídio antecipado impedir alguém de nascer; pouco importa que se arranque a alma já nascida, ou que se faça desaparecer aquela que está ainda para nascer. É já um homem aquele que o virá a ser » [8] .

[6] Didachè apostolorum, V, 2; ed. FUNK, Patres Apostolici, 1, 17; A Epístola de Barnabé, XIX, 5, utiliza as mesmas expressões (ed. FUNK, I. c., I, 91-93).

[7] ATENÁGORAS, Apologia em favor dos cristãos, 35. Em. P.G. 6, 970; e em S.Ch. (= Sources Chrétiennes), 3, pp. 166-167. Tenha-se também presente a Epístola a Diogneto, V, 6 (FUNK, o. c., I, 399; S.Ch. 33, 63), na qual se diz dos cristãos: «Eles procriam filhos, mas não eliminam nunca os fetos ».

[8] TERTULLIANO, Apologeticum, IX, 8: P.L. I, 371-372; em Corp. Christ. I, p. 103, 1. 31-36.

7. E no decorrer da história, os Padres da Igreja, bem como os seus Pastores e os seus Doutores, ensinaram a mesma doutrina, sem que as diferentes opiniões acerca do momento da infusão da alma espiritual tenham introduzido uma dúvida sobre a ilegitimidade do aborto. É certo que, na altura da Idade Média em que era opinião geral não estar a alma espiritual presente no corpo senão passadas as primeiras semanas, se fazia uma distinção quanto à espécie do pecado e à gravidade das sanções penais. Excelentes autores houve que admitiram, para esse primeiro período, soluções casuísticas mais suaves do que aquelas que eles davam para o concernente aos períodos seguintes da gravidez. Mas, jamais se negou, mesmo então, que o aborto provocado, mesmo nos primeiros dias da concepção fosse objectivamente falta grave. Uma tal condenação foi de facto unânime. De entre os muitos documentos, bastará recordar apenas alguns. Assim: o primeiro Concílio de Mogúncia, em 847, confirma as penas estabelecidas por Concílios precedentes contra o aborto; e determina que seja imposta a penitência mais rigorosa às mulheres « que matarem as suas crianças ou que provocarem a eliminação do fruto concebido no próprio seio » [9] . O Decreto de Graciano refere estas palavras do Papa Estêvão V: « É homicida aquele que fizer perecer, mediante o aborto, o que tinha sido concebido »[10] . Santo Tomás, Doutor comum da Igreja, ensina que o aborto é um pecado grave contrário à lei natural [11] . Nos tempos da Renascença, o Papa Sisto V condena o aborto com a maior severidade [12] . Um século mais tarde, Inocêncio XI reprova as proposições de alguns canonistas « laxistas », que pretendiam desculpar o aborto provocado antes do momento em que certos autores fixavam dar-se a animação espiritual do novo ser [13] Nos nossos dias, os últimos Pontífices Romanos proclamaram, com a maior clareza, a mesma doutrina. Assim: Pio XI respondeu explicitamente às mais graves objecções;[14] Pio XII excluiu claramente todo e qualquer aborto directo, ou seja, aquele que é intentado como um fim ou como um meio para o fim;[15] João XXIII recordou o ensinamento dos Padres sobre o carácter sagrado da vida, « a qual, desde o seu início, exige a acção de Deus criador » [16] . E bem recentemente, ainda, o II Concílio do Vaticano, presidido pelo Santo Padre Paulo VI, condenou muito severamente o aborto: « A vida deve ser defendida com extremos cuidados, desde a concepção: o aborto e o infanticídio são crimes abomináveis » [17] . O mesmo Santo Padre Paulo VI, ao falar, por diversas vezes, deste assunto, não teve receio de declarar que a doutrina da Igreja « não mudou; e mais, que ela é imutável »[18] .

[9] Cânon 21 (MANSI, 14, p. 909). Cfr. o Concílio de Elvira, cânon 63 (MANSI, 2, p. 16) e o Concílio de Ancira, cânon 21 (ibid., p. 519). Poder-se-á ver também o decreto de Gregório III, respeitante à penitência a impor àqueles que porventura se tornaram culpados deste crime (MANSI, 12, 292, c. 17).

[10] GRACIANO, Concordantia discordantium canonum, C, 2, q. 5, c. 20. Durante a Idade Média recorria-se frequentemente à autoridade de Santo Agostinho, o qual escreveu a este propósito, na sua obra De nuptiis et concupiscentiis, c. 15: « Por vezes esta crueldade libidinosa, ou esta libidinagem cruel vão até ao ponto de arranjarem venenos que tornam as pessoas estéreis. E se o resultado desejado não é alcançado desse modo, a mãe extingue a vida e expele o feto que estava nas suas entranhas; de tal maneira que o filho morre antes de ter vivido; de sorte que, se o filho já vivia no seio materno, ele é matado antes de nascer (P.L. 44, 423-424: CSEL 42, 230. Cfr. o Decreto de Graciano, o. c., C. 32, q. 2, c. 7).

[11] Comentário sobre as Sentenças, livro IV, dist. 31, na exposição do texto.

[12] Constitutio Effraenatum, de 1588 (Bullarium Romanum, V, 1, pp. 25-27; Fontes Iuris Canonici, I, n. 165, pp. 308-311).

[13] DENZ-SCHÖN., 1184. Cfr. também a Constituição Apostolicae Sedis de Pio IX (Acta Pii IX, V, pp. 55-72; em A.S.S. 5 [1869], pp. 287-312; e em Fontes Iuris Canonici, III, n. 552, pp. 24-31).

[14] Encíclica Casti connubii: A.A.S. 22 (1930), pp. 562-565; DENZ-SCHÖN., 3719-21 (2242-2244).

[15] As declarações de Pio XII são explícitas, precisas e numerosas; essas declarações exigiriam, por si sós, um estudo aturado. Citamos apenas — porque aí se formula o princípio em toda a sua universalidade — o Discurso dirigido à União Italiana Médico-Biológica « São Lucas », em 12 de Novembro de 1944: « Até ao momento em que um homem não se tornar culpado, a sua vida é intocável; e por isso é ilícito todo e qualquer acto que tenda directamente para destruí-la, quer essa destruição seja intentada como fim, ou somente como meio para o fim, quer se trate de uma vida no seu estado embrionário ou já no seu desenvolvimento pleno ou, ainda, prestes a chegar ao seu termo » (Discorsi e radiomessaggi, VI, p. 191).

[16] Encíclica Mater et Magistra: A.A.S. 53 (1961), p. 447.

[17] Const. Gaudium et spes, n. 51; cfr. também n. 27 (A.A.S. 58 [1966], p. 1072; e cfr. 1047).

[18] Alocução Salutiamo con paterna effusione, de 9 de Dezembro de 1972: A.A.S. 64 (1972), p. 777. Dentre os testemunhos desta doutrina imutável, recorde-se a declaração do Santo Ofício, que condena o aborto directo (A.S.S. 17 [1884], p. 556; 22 [1888-1890], p. 748; DENZ-SCHÖN. 3258, [1890]).

São Paulo, terça-feira, 28 de novembro de 2006

Cotidiano - Debate para eleitores sem tempo

Autor: Edson   |   20:30   Seja o primeiro a comentar

Triste realidade do discurso eleitoral.

São Paulo, segunda-feira, 27 de novembro de 2006

Onde estão os representantes políticos da direita?

Autor: Edson   |   01:27   2 comentários

Resumo: "Já existe um partido de centro-esquerda, que é o PT. O que faltou na última eleição era: quem é a centro-direita? Serra tem estado sempre à esquerda de Lula", afirmou Kenneth Maxwell.

Há no Brasil partidos esquerdistas de todo naipe, o cardápio é variado e vai desde os mais radicais até os moderados, prontos a satisfazer todos os seus simpatizantes. Excetuando Fernando Collor, a esquerda está na presidência da república desde Sarney. Mas o panorama político brasileiro é defeituoso. Pois se de um lado os esquerdistas encontram sua voz representada em algum dos partidos de esquerda, os direitistas e conservadores pelo contrário se encontram órfãos. Não há quem os defenda com convicção no ambiente político. E isso prejudica a legitimidade da democracia brasileira.

Não sei até quando esta situação irá durar, mas de tal forma é gritante a existência desse desprezo político pela direita que no dia 20 de novembro de 2006 a Folha de São Paulo publicou uma entrevista com o brasilianista Kenneth Maxwell, diretor do programa de estudos brasileiros da Universidade Harvard, na qual diz que o Brasil precisa de um partido conservador. "O que o Brasil precisaria mesmo era de um partido conservador moderno, que fosse honesto ao defender o liberalismo e que assumisse suas crenças. Seria uma grande revolução. Já existe um partido de centro-esquerda, que é o PT. O que faltou na última eleição era: quem é a centro-direita? Serra tem estado sempre à esquerda de Lula", afirmou o brasilianista.

Além dessa constatação óbvia, ainda houve um comentário muito interessante sobre a ALCA: "O Brasil sempre ficou com a imagem de obstrucionista, de que não quer a Alca ou nem sequer negociar. Quando, na verdade, os obstáculos estão nos EUA, nos lobbies, no Congresso, nos sócios americanos do Nafta, Canadá e México, que não querem o Brasil".

São Paulo, sexta-feira, 24 de novembro de 2006

O "não dito" da esquerda e a revolução cultural

Autor: Edson   |   00:35   2 comentários

Resumo: uma novela onde, por exemplo, mostra que é bonito ter um linguajar vulgar no trato com pessoas mais velhas, onde as modas masculinas e femininas se confundem ... tudo isso influência revolucionariamente mais a opinião pública no rumo ao comunismo do que espalhar o manifesto comunista de Marx

Segundo Josef Pieper, filósofo alemão neo-tomista, ao se interpretar um texto deve-se procurar o "não-dito no dito"[1] - expressão de Heidegger -, descobrir a clave oculta, aquilo que não foi expressamente escrito, mas que está subjacente ao que foi dito.

Isso que se faz com um texto, pode-se analogamente fazer o mesmo ao analisar uma corrente política, como é o caso da esquerda.

Em uma conversar com qualquer esquerdista, é difícil não ouvir diversas críticas a tudo quanto nos rodeia, um emaranhado de argumentos sem fim que aparentam não ter nenhuma ligação entre si. Mas há, na crítica esquerdista, um princípio "não dito" que orienta todas as suas idéias, suas ações, seus modos de ser e de viver.

Procurar o "não dito" do esquerdismo pode parecer a primeira vista impossível, visto os diversos matizes de teor revolucionário dessa corrente, uns mais radicais, outros menos. Mas em todos esses diversos matizes cartilagionosos há um esqueleto rígido, por assim dizer, que sustenta e mantêm todos eles unidos, caminhando na mesma direção. Um esqueleto que liga os argumentos da crítica do esquerdista e que, a seu ver, os fundamenta.

Esse "não dito" pode ser expresso em um princípio metafísico. Segundo Plínio Corrêa de Oliveira, para o esquerdista "a ordem do ser postula a igualdade, e tudo quanto é desigual é ontologicamente mau".

Esse princípio liga Lenin ao socialista menos radical. Todos buscam uma igualdade quimérica, seja no campo religioso, seja no político-social-econômico, seja no trato entre as pessoas, seja nos trajes ou na linguagem. Pretendem modelar todos os campos da ação humana segundo sua falsa visão metafísica igualitária. Segundo eles, tudo quanto é desigual é injusto e tende, por isso, a torna-se alvo de sua crítica.

O modo pelo qual um esquerdista pode influenciar uma opinião pública não esquerdista a seguir seu caminho, nem sempre é em convencê-la doutrinariamente de sua "cosmo-visão" igualitária do universo. Mas uma novela onde, por exemplo, mostra que é bonito ter um linguajar vulgar no trato com pessoas mais velhas, onde as modas masculinas e femininas se confundem ... tudo isso influência revolucionariamente mais a opinião pública no rumo ao comunismo do que espalhar o manifesto comunista de Marx.

Uma pessoa que não professe o igualitarismo, mas que tenha um modo de ser igualitário, mais cedo ou mais tarde, por força das circunstâncias, terá que justificar sua posição, tornar coerente seu modo de pensar e de viver. Nesse momento, os argumentos do esquerdista encontrarão um terreno fértil.

Pode-se dizer assim que a artilharia da Revolução Cultural prepara o campo para o ataque da dialética esquerdista.

Ignacio Sotelo, provavelmente o maior ideólogo do Partido Socialista Obrero Espanhol (PSOE) na década de 80, em um estudo publicado no "Leviatã", em 1978, afirmou que a classe trabalhadora não tem nem o ímpeto revolucionário, nem as condições para estabelecer a clássica ditadura do proletariado.

"Não cabe - diz Sotelo - uma transformação repentina nem violenta da ordem capitalista (...) e isso porque não basta a eliminação da propriedade privada (...) para realizar o socialismo." De onde conclui que a socialização da economia constitui um processo "muito mais complexo e largo do que o imaginaram os clássicos do século XIX".

Os socialistas, segundo Sotelo, devem sair ao encontro, interpretar e estimular as tendências culturais que na sociedade atual contestam a antiga moral tradicional e sua projeção social. A marcha até o socialismo não pode basear-se só na luta dos trabalhadores, senão também nas possibilidades que oferecem a evolução das atuais formas de pensar e de viver.

Sotelo ainda chega a afirmar que "a dimensão política não é a prioritária na marcha até o socialismo". Para que esta possa converte-se em realidade é necessária "também uma verdadeira revolução cultural".

O Professor Plínio Corrêa de Oliveira descreveu em suas obras o papel das paixões desordenadas do homem como força propulsora da Revolução. Sem a manipulação dessas paixões as doutrinas revolucionárias careceriam de força e as transformações institucionais consequentes seriam destinadas ao fracasso pelas reações populares que provocariam. Uma síntese a respeito se encontra em sua obra Revolução e Contra-Revolução (Parte I, Cap. V - As três profundidades da Revolução: nas tendências, nas idéias e nos fatos).

Uma tática para os conservadores e direitistas está no fato de saberem enfrentar o inimigo no campo de batalha exato e com as armas adequadas.

Se o ataque vem do lado cultural, então, temos que saber colocar reações e obstáculos a essa investida nesse campo. Sem isso nosso discurso não encontrará ouvidos, seu conteúdo será incompreensível para as pessoas trabalhadas pela revolução cultural; pessoas - convém dizer - tendentes a dar razão aos argumentos da esquerda para justificar seu novo modo de vida.

Sem esquecer da importância de se refutar os princípios da esquerda, há uma necessidade urgente de se fazer uma contra-revolução cultural.

[1] Josef Pieper. Luz Inabarcável - o Elemento Negativo na
Filosofia de Tomás de Aquino. Disponível em: http://www.hottopos.com/convenit/jp1.htm . Acessado em: 01/11/2006.

São Paulo, terça-feira, 21 de novembro de 2006

Pela Lituânia livre – o monumental abaixo-assinado e a independência

Autor: Edson   |   20:32   Seja o primeiro a comentar

Resumo: Representante de TFPs da Europa discursa no Parlamento Lituano, na comemoração oficial do 15º aniversário do reconhecimento da independência da Lituânia e de sua admissão na ONU

Fonte Revista Catolicismo

Discurso de Dr. Caio Vidigal Xavier da Silveira no Parlamento da Lituânia
Senhor Presidente do Parlamento,
Senhores deputados,
Eminência reverendíssima,
Excelências,
Senhoras e senhores,

Completa 15 anos no dia 17 de setembro a independência da Lituânia, então reconhecida com sua admissão no seio da ONU. Marco decisivo do longo caminho rumo à plena liberdade, cujo primeiro passo foi a Declaração de Independência de 11 de março de 1990. Declaração heróica, quando se considera o colosso em face do qual ela foi proclamada: a União Soviética.

Vosso país parecia pequeno, abandonado por todos, mas levantou-se altaneiro. A Lituânia afirmou com coragem, aos olhos do mundo inteiro, que vossa pátria recusava curvar-se servilmente ante os ditadores do Kremlin. A Lituânia fazia questão de afirmar seu direito de ser uma nação livre e de preservar sua identidade cristã.

A proclamação de independência da Lituânia foi um grito de fé e de coragem. Ele ressoou alto e claro na Terra inteira, e seus ecos chegaram até a minha pátria, o Brasil. O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, fundador e presidente da Sociedade de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), comoveu-se ante vosso formidável grito de esperança.

Apressando-se a apoiar a Declaração de Independência dos nobres deputados lituanos sob a direção do presidente Vytautas Landsbergis, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira lançou no Brasil e em 26 países dos cinco continentes a famosa petição que colheu mais de 5 milhões de assinaturas a favor da independência de vosso país.

À frente de uma delegação das associações de defesa da Tradição, Família e Propriedade, entreguei pessoalmente essa petição no Kremlin, junto ao Secretariado oficial de Mikhail Gorbachev, e igualmente em Vilnius ao Presidente Vytautas Landsbergis. Os vossos amigos pelo mundo afora, reunidos pelas TFPs para vos apoiar, eram até mais numerosos que vossa população.

A declaração de independência da Lituânia constituiu o primeiro impulso para a derrubada do império soviético. Vossa ação foi decisiva. Ela contribuiu para que a opinião pública mundial se desse conta daquilo em que consistia realmente a “perestroika” de Gorbachev: uma política falaciosa, feita para adormecer as reações anticomunistas no Ocidente, e simultaneamente conservar sob a tutela de Moscou os países satélites da União Soviética.

Hoje, a Lituânia livre afronta problemas bem diferentes. Outros tempos, outras situações. A liberdade reconquistada há 15 anos, a admissão na ONU e o ingresso na União Européia vos trouxeram um legítimo progresso material e uma prosperidade crescente. Porém, e S.S. Bento XVI alertou-nos contra esse risco há poucos dias em Munique, a tentação é grande em edificar uma nação próspera e rica, da qual Deus esteja ausente. A tentação é forte em adotar um estilo de vida no qual não seja atribuído aos princípios da Civilização Cristã — eu evoco especialmente a tradição, a família e a propriedade — o papel eminente que lhes é devido.

As TFPs européias que aqui represento fazem votos para que Nossa Senhora de Siluva ajude a Lituânia a enfrentar essa tentação na vida quotidiana, com o mesmo espírito indomável de fé e de coragem que ela mostrou outrora, sem jamais curvar-se ante os perigos que a espreitam na via da fidelidade à Civilização Cristã.

Tegivoia Laisva Lietuva! (Longa vida para a Lituânia!)
Obrigado pela vossa atenção.

São Paulo, sábado, 18 de novembro de 2006

Lula: "moderado-útil" a serviço de Chávez?

Autor: Edson   |   12:28   Seja o primeiro a comentar

Resumo: Se Lenin vivesse em nossos dias, mais que falar do "tonto-útil", talvez preferisse falar do "moderado-útil", hoje encarnado na América Latina no presidente Lula, discutivelmente moderado, mas indiscutivelmente útil, ao serviço de Chávez, o sucessor de Fidel Castro

1. Há poucos dias das eleições presidenciais venezuelanas, que se realizarão no próximo 3 de dezembro, o ostensivo respaldo do "moderado" presidente brasileiro Lula ao radicalizado presidente e candidato venezuelano Hugo Chávez, tomou de surpresa àqueles que viam no primeiro um aliado confiável e um contrapeso ao extremismo do segundo.

"O mesmo povo que elegeu a mim, que elegeu a Daniel Ortega, que elegeu a Evo Morales, te elegerá presidente da Venezuela", disse Lula, acrescentando que Chávez era uma "boa pessoa" e que ele o percebia pela sinceridade de "seu coração e de seu olhar" (*).

Chávez retribui qualificando a Lula de "irmão" e "amigo", prometendo que sua primeira viajem internacional, depois das eleições em seu país, será o Brasil.

2. Um dos diretores do Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela, doutor Vicente Díaz, qualificou as palavras de Lula como "uma intervenção grosseira nos assuntos internos da Venezuela", e importantes figuras da vida política venezuelana também censuraram ao mandatário brasileiro, com palavras severas, mas inteiramente justificadas e proporcionadas.

3. Há quem diga que Lula foi a Caracas pagar tributo a Chávez – que é, na prática, o sucessor do ditador Castro – para agradecer lhe porque conseguiu manter a boca fechada durante o processo eleitoral brasileiro e, com esse silêncio, colaborou para que não se dissolvesse a anestesia a-ideológica que imperou nas eleições de dito país. Uma palavra de Chávez sobre o processo eleitoral brasileiro poderia ter prejudicado a Lula tanto como aconteceu no México, Peru e Equador, onde interviu em favor de seus aliados López Obrador, Humala e Correa, prejudicando-os em lugar de ajuda-los.

4. Não obstante, o que fica claro neste e em outros episódios similares, é o papel anestesiante e paralisante das sãs reações que exercem aqueles líderes que se apresentam como "moderados" mas que, nas horas decisivas, terminam pavimentando o caminho e apoiando aos líderes mais radicais. Os dirigentes "moderados", com sua política de contemporização para com os extremistas da esquerda, promovem um deslizamento suave, sem sobressaltos, de setores centristas da opinião pública rumo às novas formas de socialismo e de neopopulismo.

5. Se atribui a Lenín a expressão "tonto-útil" para qualificar àquelas pessoas que são semi-revolucionários, ou revolucionários de marcha lenta, mas que com seu ar sorridente, bonachão, dialogante e complacente, ajudam a pavimentar o caminho dos revolucionários de marcha rápida.

Se Lenin vivesse em nossos dias, mais que falar do "tonto-útil", talvez preferisse falar do "moderado-útil", hoje encarnado prototipicamente, em nível latino-americano, no presidente Lula, discutivelmente moderado, mas indiscutivelmente útil, ao serviço do novo César latino-americano.

Nota: Em dezembro de 2001, em Havana, durante a 10o. reunião do Foro de São Paulo, Lula havia feito similares elogios ao ditador Castro, diante dos chefes anarco-guerrilheiros colombianos das FARC e do ELN e de centenas de dirigentes comunistas do continente: "Apesar de que seu rosto já está marcado por rugas, Fidel, sua alma continua limpa porque você nunca traiu os interesses de seu povo. Graças, Fidel". Na prática, o "neo-moderado" Lula tem sido um dos maiores sustentáculos diplomáticos e financeiros da ditadura cubana, assim como hoje apóia ao regime chavista.


Publicado por Destaque Internacional - Informes de Conjuntura - Ano IX - No. 200 - São José da Costa Rica - 18 de novembro de 2006 - Responsável: Javier González.- Tradução: Edson Carlos de Oliveira

São Paulo, sexta-feira, 17 de novembro de 2006

"Intuicionismo democrático"

Autor: Edson   |   23:49   Seja o primeiro a comentar

Resumo:O “intuicionista”, cede por vezes à tentação preguiçosa de desdenhar a observação, a reflexão e o planejamento da ação. E assim cai em toda sorte de desastres. Pois não há capacidade intuitiva, por fecunda e lúcida que seja, que permita relegar para segundo plano, com exagerada freqüência, o uso das boas normas da lógica

Fonte: livro "Projeto de Constituinte Angustia o País", Plínio Corrêa de Oliveira

Outra modalidade de falseamento da democracia existe, a qual se poderia qualificar de “intuicionismo democrático”.

Há, bastante generalizados em certos países, entre os quais notadamente o Brasil, veios da população que se caracterizam pela rapidez e clareza de seu pensamento intuitivo. Em determinadas circunstâncias, sem mais estudo, e em um só lance de olhos, percebem certa situação, lhe diagnosticam as causas e os efeitos, e lhe apontam as soluções adequadas.

Essa feliz aptidão tem seus inconvenientes. Quem a possui é propenso a imaginar que ela lhe está ao alcance da mão a todo momento, e no tocante a todos os assuntos. Em conseqüência, a pessoa intuitiva, ou melhor, “intuicionista”, cede por vezes à tentação preguiçosa de desdenhar a observação, a reflexão e o planejamento da ação. E assim cai em toda sorte de desastres. Pois não há capacidade intuitiva, por fecunda e lúcida que seja, que permita relegar para segundo plano, com exagerada freqüência, o uso das boas normas da lógica.

As pessoas ou os ambientes abusivamente “intuicionistas” exercem em torno de si uma influência evidentemente propícia ao voto irrefletido.

Um país que fosse movido muito mais por intuições do que por um pensamento político levado a sua inteira dimensão pela observação diligente como pela análise serena e penetrante da realidade, e ainda pela cogitação doutrinária séria, não poderia chamar-se um país-de-idéias. A ser ele democrático, constituiria uma democracia-sem-idéias.

Aliás, a imaturidade política de um país não se manifesta só por sua permanência indolente no nível prevalentemente intuitivo. Ela se manifesta também em um fenômeno oposto. É a parlapatagem vazia de certo número de teóricos distanciados da realidade, e que não fazem senão repetir em vernáculo (não raro com discutível precisão) as cogitações de filosofia político-social de celebridades em voga em outros países.

Para dar corpo a quanto acaba de ser dito, convém aduzir um exemplo histórico. E recorremos de preferência à História remota, pois desperta menos paixões.

Sob a “democracia dos coronéis”, em vigor na Primeira República (1889-1930), muito havia de objetável. Mas também muito de plaudendo, de orgânico e de lúcido. Sem dúvida, entre os defensores da ordem de coisas então vigente, não poucos se fundavam numa visão “intuicionista” dos lados positivos – mais ainda do que dos lados negativos – de tal ordem de coisas. Porém, como seu pensamento político era embrionário, não souberam justificá-lo, com base doutrinária e científica, em debates democráticos de substância ideológica apreciável. Governaram mudos, e mudos caíram ao chão, pelo impacto da argumentação doutrinária (não raras vezes da parlapatagem...) do adversário.

Mera caricatura da democracia genuína é a democracia-sem-idéias que de todos estes fatores resulta, caracterizada por um pragmatismo vazio de perguntas e de rumos.

São Paulo, quinta-feira, 16 de novembro de 2006

Navegando nas águas do conservadorismo americano

Autor: Edson   |   15:17   1 comentário

Resumo: a diferença primordial entre os movimentos conservadores na Europa e nos Estados Unidos é exatamente a nossa perspectiva moralista, enquanto na Europa se acentuam temas econômicos e políticos

NR: Segue abaixo um trecho do artigo "O grande connhecedor da alma americana" de John Hovart, atual vice-presidente da TFP norteamericana, publicado no livro "Plinio Corrêa de Oliveira, 10 anos depois".

Diferentemente de muitos outros países, há um verdadeiro oceano de pensamento conservador nos Estados Unidos, sendo fácil a pessoa se desorientar dentro dele, a menos que tenha os próprios rumos bem definidos. É possível alguém se imobilizar nas águas tranqüilas de um tradicionalismo um tanto estagnado. Igualmente perigosas são as marés violentas do mutável libertarismo (libertarianism).

Do seu longínquo posto de observação, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira conseguiu caracterizar aquela maioria religiosa que torna o nosso país tão conservador, dando-nos princípios orientadores que nos permitem navegar nessas águas.

Ele observou que muito freqüentemente nosso país é avaliado segundo os critérios de Hollywood ou da mídia. Estrangeiros que nos visitam manifestam muitas vezes surpresa quando encontram um país diferente daquele que as telas do cinema mostram. Nós mesmos tendemos a acreditar nessa imagem e não nos damos conta da amplitude do nosso conservadorismo. Falta-nos uma visão autêntica dos Estados Unidos, e uma parte importante dela foi o que o Prof Plinio denominou "consenso americano". Trata-se de uma "adesivo" ou "cola" espiritual que mantém o país unido, um acordo ou pacto geral pelo qual assumimos o compromisso de continuar americanos.

Um pouco de História

Esse consenso foi forjado no nascedouro da nação. Imediatamente após a guerra de independência, estourou uma crise religiosa. Nenhuma seita protestante detinha clara maioria, e a influência européia que pudesse guiar-nos já não existia. As igrejas protestantes americanas estavam desorganizadas, cada uma cuidando de si mesma. A própria guerra deixou as colônias num caos religioso. As estruturas religiosas e a moralidade do país encontravam-se desorganizadas por seis longos anos de guerra. A religião estava ameaçada também pela irreligião, por um espírito livre-pensador disseminado pelos franceses seguidores de Voltaire e Rousseau.

Essa atmosfera moral poderia facilmente degenerar numa rápida e total amoralidade e irreligiosidade. A nação tinha de adotar uma defesa religiosa contra a irreligiosidade, e o Prof. Plinio sustentava que ela adotou um tipo de consenso religioso. Não se tratava de uma unificação numa única igreja e num único Estado unitário, proibida por uma cláusula constitucional, mas de uma união dos Estados e um acordo não escrito de um consenso religioso. Era um consenso pelo qual os americanos mantinham um conjunto de normas de funcionamento em que certas coisas contra Deus eram proibidas. O Estado manteve uma certa reverência por um Deus vago em que acreditava. Um código moral consensual cristão, frouxamente baseado nos Dez Mandamentos, foi adotado pelo Estado e inserido nas nossas leis. Esse consenso tornou-se regulador da nossa moralidade e é o "adesivo" espiritual que nos mantém unidos.

Oficialmente laico, mas religioso

O Prof. Plinio acentuou que, embora o Estado americano não adote uma denominação religiosa, seria um grande exagero afirmar que ele é não-religioso. Na prática, senão na lei, a religião oficial dos Estados Unidos é esse consenso ecumênico geral. Como se trata de um consenso cristão, a nação é vagamente cristã.

Se a pessoa cultua algum tipo de Deus, de preferência cristão, participa desse consenso que mantém a religiosidade, o patriotismo e o devotamento à família, e que estimula um vago respeito pela Lei de Deus, como uma modalidade de política de segurança para manter a ordem pública.

Autores americanos e sociólogos comentaram muitas vezes o relacionamento especial do americano com a religião. Samuel Huntington, no livro Política americana, observa que os americanos conferem à sua nação e correspondente cultura "muitos atributos e funções de uma igreja". O sociólogo Robert Bellah acentua que os Estados Unidos estabeleceram uma "religião civil", que proporcionou "uma dimensão religiosa para todo o tecido da vida americana, inclusive a esfera política".

Ainda hoje, em meio a uma guerra cultural que tende a destruir as convicções religiosas e a moral, enormes setores do público americano subscreveram e prosseguem subscrevendo esse vago consenso.

As conseqüências práticas dessa atitude são muito importantes e muito visíveis no clima político atual. Quando a maioria de uma nação atinge o consenso de que todos devem cultuar algum deus, essa nação se torna muito religiosa. Ninguém discute, mas poucos conseguem explicar o fato de que os americanos são muito religiosos. São raros os ateus. A devoção religiosa separa os Estados Unidos dos seus mais próximos aliados, e constitui um obstáculo ao ataque desferido em todo o mundo à própria idéia de religião, pela Revolução universal.

O problema moral

Uma segunda conseqüência é o surgimento de uma ampla parcela da população que respeita o código moral frouxamente baseado nos Dez Mandamentos, ainda que apenas em razão da ordem pública. Por isso o país tende a ser moralista, transformando os assuntos civis em problemas morais e vendo-os em termos de branco-e-preto.

Os assuntos de moral contidos no Decálogo são exatamente os que polarizam hoje o país. Os americanos que manifestam inquestionável crença em Deus e na sua Lei estão muito mais dispostos a associar fé e política do que os similares de outros países. Conservadores americanos formam coalizões a propósito de assuntos como aborto, preces nas escolas, pornografia e homossexualismo. É o único país desenvolvido que promove enormes movimentos de protesto a respeito de temas morais, que não definham e surgem ano após ano na agenda legislativa.

O Prof. Plinio ressaltou que a diferença primordial entre os movimentos conservadores na Europa e nos Estados Unidos é exatamente a nossa perspectiva moralista, enquanto na Europa se acentuam temas econômicos e políticos. "A opinião pública americana tem uma adesão ao conceito de que os Mandamentos devem ser obedecidos, e atribui a desgraça aos que abertamente os transgridem", afirmou.

Isso não quer dizer que o país é isento de pecados. Pecado e imoralidade são aqui abundantes. No entanto, a simples existência dessa adesão à lei moral é um constante apelo a reconhecê-la e retornar a ela, assediando nossa consciência e erigindo nossos parâmetros de julgamento. Num mundo em que a moralidade desaparece rapidamente, todo aquele que se atém aos Dez Mandamentos constitui um obstáculo conservador. Por isso, embora a maioria dos americanos se recuse a acreditá-lo, os Estados Unidos são o grande país conservador.

São Paulo, segunda-feira, 13 de novembro de 2006

Como ruiu a democracia em Antenas

Autor: Edson   |   12:25   2 comentários

Fonte: http://www.accio.com.br/Nazare/1946/fhe-09.htm


Resumo: Ora, se estes filósofos eram capazes de induzir a dúvida nos ouvintes a respeito de coisas que deveriam ser tão evidentes, o que não faria um político se estudasse filosofia com eles e aplicasse a habilidade que eles tinham e demonstravam aos problemas políticos?


Em Atenas, por volta do ano 410 A.C, havia se estabelecido o regime de democracia direta.

Na nossa época, quando alguém fala em democracia, geralmente se refere àquilo que se conhece como democracia representativa, da qual se diz que o povo exerce o poder na medida em que elege os seus representantes no governo e na medida em que qualquer pessoa do povo pode vir a candidatar-se a um cargo público e, uma vez eleito, sendo obrigado a prestar conta de seu mandato perante a nação. Neste sistema não é propriamente o povo que governa, mas os representantes por ele eleitos. Este sistema é, por causa disso, dito democracia representativa.

Em Atenas a democracia que havia se instalado não era, porém, a representativa. Era a democracia direta. Quem mandava, de fato, era o povo, e não os seus representantes.

Como funcionava a democracia direta em Atenas?

Nos tribunais atenienses, não havia um juiz, mas quinhentos juízes escolhidos entre seis mil pessoas sorteadas entre os cidadãos atenienses, os quais julgavam as causas por votação em maioria simples, após ouvirem as partes em litígio.

As decisões não judiciais em Atenas, como as votações de leis, a declaração de uma guerra ou mesmo as decisões a serem tomadas dentro dela, resoluções de política externa e comércio exterior, e outras semelhantes, eram decididas pela Assembléia Popular.

Uma vez a cada 36 dias todos os cidadãos de Atenas se reuniam em Assembléia Popular e examinavam uma pauta de assuntos preparada por um conselho de quinhentos homens designados para tanto. Era examinada a conduta de todos os magistrados, que o povo tinha poder de dispensar do cargo a qualquer momento ou mesmo de conduzir a julgamento em caso de irregularidade.

Ademais, além dos assuntos levantados pela pauta preparada pelo Conselho dos Quinhentos, qualquer cidadão poderia pedir a palavra e colocar outro assunto em discussão, mesmo que fosse a votação de uma nova lei. A proposta seria votada pela Assembléia Popular e aprovada ou não conforme o número de votos. O êxito dependia em grande parte da capacidade que teria o cidadão individual de convencer a Assembléia de que tal proposta deveria ou não ser aprovada. Antes da votação um outro cidadão qualquer poderia pedir a palavra e expor um ponto de vista contrário.

Parmênides e Zenão de Eléia

Aos poucos começava a ficar evidente em Atenas que o homem mais poderoso não era o atleta, nem o músico, mas aquele que soubesse melhor falar em público e convencer a Assembléia Popular a votar de acordo com os seus pontos de vista. Esta habilidade era fundamental, mas não havia mestres para ensiná-la.

Não havia em Atenas nenhum mestre para ensinar a discursar e convencer as multidões do que bem se entendesse até que, a princípio talvez quase inadvertidamente, os atenienses começaram a perceber que, embora não se tivessem declarado tais, já havia algum tempo que estes mestres haviam chegado à cidade e muitos haviam zombado deles e não lhes dado o devido valor. Eram eles precisamente aqueles dois filósofos loucos de Eléia, Parmênides e Zenão.

Lá estavam dois sábios, que há tantos anos vinham se dedicando ao estudo, esforçando-se por tentar demonstrar ao povo a falsidade das coisas mais evidentes.

Não tinham eles livros e livros de argumentos para mostrar que uma flecha em movimento na realidade está parada? Não tinham eles escrito tratados para provar que a multidão dos objetos que vemos no mundo à nossa volta não é uma multidão, mas um só e único ser?

Não demonstrava Parmênides que tudo o que vemos pelos sentidos é ilusório, e muitos ouvintes, não podendo responder aos argumentos destes filósofos, ficavam perplexos e começavam realmente a duvidar se aquilo em que sempre tinham acreditado poderia ser falso?

Ora, se estes filósofos eram capazes de induzir a dúvida nos ouvintes a respeito de coisas que deveriam ser tão evidentes, o que não faria um político se estudasse filosofia com eles e aplicasse a habilidade que eles tinham e demonstravam aos problemas políticos?

Os discípulos daqueles dois filósofos seriam os senhores das decisões da Assembléia Popular. Manipulariam a Assembléia conforme as suas vontades e se tornariam os senhores de Atenas.

Origem dos sofistas

Não é difícil imaginar como, de uma acolhida que inicialmente deve ter sido provavelmente fria e sarcástica, os atenienses passaram a ouvir aqueles dois filósofos veneradamente com uma atenção tal como se estivessem ouvindo aos deuses. Sócrates os tinha ouvido e esforçou-se, a partir dos argumentos deles, para alcançar uma compreensão mais profunda da verdade. Mas os demais atenienses não estavam interessados em qualquer verdade que os dois filósofos de Eléia vinham ou não vinham trazer. Eles queriam aprender como era possível fazer aquela mágica de apresentar provas aparentemente irrefutáveis de que as coisas mais evidentes não são como supomos que sejam. Quando Parmênides e Zenão foram embora de Atenas, devem ter visto as cópias de seus livros disputadas entre os atenienses que os liam e reliam aparentando evidente desejo de aprender. Parmênides e Zenão foram, finalmente, levados a sério, mas não era bem desta maneira que eles tinham desejado que tivessem sido levados a sério.

Aconteceu então que algumas pessoas mais hábeis conseguiram de fato adaptar as técnicas de argumentação de Parmênides e Zenão à discussão dos problemas políticos. Estas passaram a ser denominadas de sofistas.

Poucos anos antes da visita de Parmênides e Zenão em Atenas já havia sofistas no mundo grego que ensinavam a arte de falar e de convencer as multidões, mas este tipo de ensino e suas técnicas receberam seu grande impulso da adaptação que foi feita dos textos de Parmênides e Zenão à sua arte. Foi a partir daí que a sofística adquiriu a sua maior envergadura.

***

NR: A partir de então a democracia ateniense se transformou em demagogia ateniense.

São Paulo, sábado, 11 de novembro de 2006

Derrota dos conservadores?

Autor: Edson   |   23:14   Seja o primeiro a comentar

Para entender os resultados das eleições norte-americanas e não ficar na superficialidade de achar que a vitória dos democratas representa uma diminuição do conservadorismo nos EUA, é preciso ter em mente os seguintes pontos:

1) Não houve uma derrota estrondosa do Partido Republicano. Os resultados obtidos pelos democratas não foram muito animadores se lembrarmos que o presidente Bush foi massacrado pelo terrorismo midiático durantes os seis últimos anos e que os republicanos com seus diversos escândalos desacreditaram seus principais eleitores - os conservadores. Apesar desses dois fatores, que são primordiais - pois mexem diretamente com a sensibilidade da opinião pública -, os democratas obtiveram apenas uma vitória bem apertada.

2) É inegável que há entre o público conservador um descontentamento em relação ao governo Bush, pois este não cumpriu as metas e projetos que é do anseio desse eleitorado, ou seja, ao contrário do que mostra a mídia - especialmente a brasileira -não é por Bush ser conservador que está perdendo a confiança dos norte-americanos, mas é por não o ser. A vitória dos democratas - muito apertada, importante repetir- se deu por causa dos votos que ganhou dos conservadores desconsolados com os republicanos, e por apresentar alguns candidatos democratas moderados.

3) Paralelamente às eleições legislativas e ao senado, houve uma série de referendos onde o povo americano era questionado a respeito de temas como aborto, união civil entre homossexuais, manipulação embrionária... e todos esses referendos tiveram uma resposta conservadora.

4) Se de um lado a mídia diz que o único republicano muito bem sucedido foi o Schwazenegher, porque seria um conservador moderado, por outro lado vários democratas eleitos são muito menos radicais do que a mídia faz crer.

Há outros pontos além desses acima apresentados, mas creio que já é o suficiente para se ter uma visão melhor da realidade eleitoral norte-americana.

São Paulo, sexta-feira, 10 de novembro de 2006

Onda conservadora na América Latina

Autor: Edson   |   12:18   Seja o primeiro a comentar

No dia 16 de outubro, o prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia, em um vídeo divulgado no Youtube (só não cito o link porque já foi retirado do ar) analisava a situação da América Latina depois das últimas eleições presidenciais e apontou uma onda conservadora por ocasião dos resultados onde todos os candidatos pró-chavez perderam.

"Pode ser um sinal de que Chaves, Morales, Cuba, MSTs... já estão sendo incorporados pela população como risco futuro. E que risco!", disse o prefeito. E faz sobre os debates do segundo turno no Brasil uma observação muito precisa: "O que vemos nesse segundo turno presidencial é uma disputa entre candidatos que querem ser a esquerda da vez (...) Se são todos parecidos - pensa o eleitor- que deixe como está para ver como é que fica. Afinal Lula e o PT têm muito mais credencial populista, que Geraldo e o PSDB. Aliás, Geraldo nem imagem tem"

Outro ponto interessante é a pergunta de como seria se Alckimin discursa-se em defesa da "Lei, Ordem e Família", "Será que surfaria na onda das três últimas eleições latino-americanas (...)?", [se referindo ao resultado eleitoral do Peru, México e Equador].

Muito teria a ganhar Alckimin com esse discurso, pois comenta Cesar Maia que "como todos sabem: na América Latina a comunicação liberal é impopular. Mas a comunicação conservadora é muito popular. No Brasil não é diferente."

O prefeito carioca assim termina sua análise: "Quem quiser que faça uma pesquisa de régua: num extremo - digamos 90, a ultra-esquerda; em outro digamos 30 - a ultra-direita. E depois as diversas graduações. E poderá medir a popularidade da comunicação conservadora. "

São Paulo, quarta-feira, 8 de novembro de 2006

Nova safra de democratas

Autor: Edson   |   23:36   2 comentários

O Partido Republicano do atual presidente norte-americano George W. Bush está em crise. Sobretudo depois da renúncia do ex-congressista Mark Foley, sob suspeita de envolvimento sexual com secundaristas que trabalham na Câmara.

As bases eleitorais do partido estão insatisfeitas e seus líderes se vêem enganados pelos republicanos que prometeram tomar várias medidas conservadoras; o que ficou só na promessa.

Os membros do partido opositor, os Democratas, não perderam tempo e apresentaram ao público alguns candidatos conservadores, como Harold Ford Jr.

Enquanto que na América Latina a esquerda tem que recuar em seu discurso para atrair eleitores centristas, nos EUA os Democratas têm que fazer o mesmo para ganhar os votos dos conservadores que se sentem órfãos pelos escândalos dos republicanos.

Embora seus candidatos mantenham uma política econômica esquerdista, falam abertamente contra o aborto, contra o casamento homossexual, contra o controle de armas, prometem revitalizar o exército, etc. Exemplo disso é o democrato Brian Schweitzer, de Montana, que disse à revista New Yorker "Minha idéia de controle de armas é a seguinte: você controla a sua arma e eu controlo a minha". Outro exemplo é Brad Ellsworth, de Indiana, que recebeu apoio da National Rifle Association.

A recente vitória dos Democratas na Camâra se deu por duas razões somadas, a primeira delas é a guinada para o centro-direita de alguns de seus candidatos; e a segunda é o descontentamento das bases republicanas com seus representantes.

Aqui cria-se um problema sério que o Partido Democrata irá enfrentar: como satisfazer essa base conservadora sem trair a identidade ideológica do partido?

Igualitarismo na estrutura da sociedade norte-americana?

Autor: Edson   |   12:52   1 comentário

Como prometido, segue o relato de um fato da vida de George Smith Patton Jr., o famoso general da segunda guerra mundial. O fato é sobre o seu casamento com Beatrice Ayer. Como disse no post anterior, é um exemplo frisante de como a visão que Alexis de Tocqueville tinha, sobre a sociedade norte-americana, era falsa.

A editora Três lançou em 1974 uma coleção de livros intitulada "Grandes personagens de todos os tempos"; o volume quatro é sobre o general Patton, e é essa a fonte da narração que segue, detalhe: os negritos são meus.

Patton era de família tradicional, riquíssimo e muito inteligente. Em 1905, com então 20 anos, escolheu como futura esposa Beatrice Ayer, filha do magnata Frederick Ayer. Este herdou da família uma velha fábrica de têxteis e a transformou numa das maiores do seu gênero nos EUA.

"Ayer (...) [com] o cuidado com que guardava seus direitos patriarcais e seus modos de grão-senhor faziam com que fosse chamado de "governador" e "sir" Frederick até por membros de sua família. Ele matinha uma casa de quatro andares em Boston e passava os verões em sua vila renascentista de Cape Cod. (...) George temia que ele não quisesse ter um soldado como genro."

"(...) Embora George pudesse ostentar uma árvore genealógica tão esplendorosa quanto possível nos Estados Unidos, ele temia que ela não fosse suficientemente impressionante para ser aceita pelo bostoniano chefe do clã dos Ayer. Embora sólida, a aristocracia dos Patton era informal - informal demais, temia George, para ser bem recebida nos vetustos salões da Nova Inglaterra. E Ayer era o protótipo do bostoniano."

Depois de uma conversa entre Patton e o patriarca Ayer, "Sir Frederick ficou devidamente impressionado, e George casou-se com Beatrice Ayer no dia 26 de maio de 1910, numa cerimônia principesca".

De tal forma o novo casal mantinha uma categoria nos tratos e no modo de ser que eram chamados de "o duque e a duquesa".

Bem, aqui acaba o fato. Para alguns pode até ser banal, mas é um bom exemplo para ver como os EUA são uma democracia aristocrática.

Alguns sociólogos norte-americanos estudando tantos outros fatos como esse, verificaram que os EUA são o contrário do que está escrito no livro "Democracia na América, de Tocqueville. E daí surgiu uma nova escola sociológica denominada "escola elitista", que faz frente a "escola pluralista" constituída por seguidores de Tocqueville.

Não nego que haja, nos EUA, muitas pessoas imbuídas de tendências igualitárias. Mas disso tirar a conclusão de que a estratificação social desse país é igualitária é no mínimo - para dizer pouco - falta de bom senso.

São Paulo, segunda-feira, 6 de novembro de 2006

Alexis de Tocqueville e sua falsa visão sobre os EUA

Autor: Edson   |   22:42   Seja o primeiro a comentar

Estava lendo, esses dias, uma biografia sobre general Patton e um fato muito interessante me marcou, não que seja impressionante, mas porque serve de exemplo, confirmando a tese de que a sociedade norte-americana é profundamente aristocrática. Gostaria de transcrevê-lo em meu blog, mas temendo que os leitores não entendam toda a importância que o envolve, resolvi colocar de início um resumo que fiz de uma epígrafe do apêndice à edição norte-americana do livro Nobreza e Elites Tracicionais Análogas nas Alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza Romana, do professor Plínio Corrêa de Oliveira, deixando para um próximo post o fatinho da vida do general Patton.

Creio que o leitor, após passar a conhecer - se já não a conhece - toda a polêmica sobre a estratificação social nos EUA, entenderá melhor o que quero mostrar com o fato que tanto me marcou.

Bem, segue abaixo um resumo da já citada epígrafe.

Alexis de Tocqueville (1805 - 1859), autor do livro "Democracia na América", é o principal artífice de uma falsa visão da sociedade norte-americana.

"Nesse livro ele apresentou a uma Europa em ebulição revolucionária uma visão fascinante, embora indubitavelmente unilateral, de um país próspero e quase totalmente democrático, no qual os valores familiares, aristocráticos e hereditários não tinham mais lugar. A difusão desse mito na Europa facilitou enormemente a aceitação entusiasmada das idéias democráticas revolucionárias naquele continente."(Nobreza e Elites Tracicionais Análogas nas Alocuções de Pio XII, Prefácio à edição norte-americana, PLínio Corrêa de Oliveira).

Eis as próprias palavras de Tocqueville: "Na América, o elemento aristocrático sempre foi fraco desde suas origens. Hoje em dia, se bem que não esteja propriamente destruído, está de tal forma minguado que não se lhe pode atribuir qualquer influência no curso da vida pública. Pelo contrário, o princípio democrático tomou um tal dinamismo por força do tempo, dos acontecimentos e da legislação, que se tornou não só dominante mas todo-poderoso". (Alexis de Tocqueville, Democracy in America, vol. 1, p. 55)

"Entre as coisas mais inovadoras que descobri durante a minha estada nos Estados Unidos, nenhuma me impressionou mais do que a geral igualdade de condições entre a sua gente.... [Esta igualdade] confere uma peculiar orientação à opinião pública e um teor particular às leis.... Quanto mais aprofundava o estudo da sociedade norte-americana, mais me convencia de que esta igualdade de condições é o aspecto fundamental e central do qual derivam todos os outros, e ao qual minhas observações sempre me conduziam". (Alexis de Tocqueville, Democracy in America - New York, Vintage Books, 1945, vol. 1, p. 3)

Críticos de Tocqueville

Nathaniel Burt, historiador da classe alta de Philadelphia, ressalta que "muitas das posições [de Tocqueville] em relação à democracia eram distorcidas, porque ele não admitia, ou não queria admitir, a existência de uma aristocracia nos Estados Unidos". (Nathaniel Burt, The Perennial Philadelphians: The anatomy of an American Aristocracy – Boston, Little, Brown and Company, 1963, p. 592)

Bem aponta o Prof. Pessen que "Tocqueville não deixa claro se seus vôos de imaginação se referem à sociedade democrática norte-americana concreta ou a um modelo democrático abstrato.... Apesar de algumas de suas observações mais importantes estarem baseadas em ínfima evidência, elas foram aceitas por muitos de seus contemporâneos mais influentes". (Edward Pessen, Riches, Class and Power Before the Civil War, p. 3)

Em outra obra, Pessen continua sua crítica à análise de Tocqueville sobre a sociedade norte-americana de seu tempo, tal como foi apresentada no livro "Democracia na América": "Sua concepção da estrutura social norte-americana era baseada mais na lógica e em informações não comprovadas do que na evidência de fatos que o autor tinha pouco interesse em pesquisar. Apesar disso, durante muito tempo foi tida como verdadeira "bíblia" pela maioria dos estudiosos da sociedade norte-americana. No quadro social igualitário pintado por Tocqueville, cada americano era considerado como igual ao outro, não importando as circunstâncias de nascimento; e a riqueza era distribuída quase igualmente entre todos.... Este quadro pitoresco de uma democracia social rude e inebriante, porém, foi amplamente demolido pela pesquisa moderna." (Edward Pessen, Status and Social Class in America, in: Making America: the Society and Culture of the United States, edited by Luther S. Luedtke - Washington, D.C., U.S. Information Agency, 1987, p. 276)

Também Victor Lidz, sociólogo da Universidade de Pennsylvania, acusa Tocqueville de imaginar nos Estados Unidos um igualitarismo inexistente: "Nem a sociedade colonial nem a da Revolução [de 1776] e a dos anos imediatamente posteriores correspondiam ao tipo de ‘democracia’ descrito por Tocqueville. A sociedade almejada pela Constituição não era ainda democrática, mas uma hierarquia ordenada de grupos de diferentes status sociais fundados em ideais bem diversos da ‘igualdade’ que Tocqueville pretendeu ver na América". (Victor M. Lidz, "Founding Fathers and Party Leaders", in: Harold J. Bershady, ed., Social Class and Democratic Leadership. Essays in Honor of E. Digby Baltzell –Philadelphia, University of Pennsylvania Press, 1989, p. 235)

Porém foi a interpretação unilateral do escritor francês que dominou a historiografia e a sociologia norte-americanas até meados do presente século. Em sociologia, ela recebeu o nome de escola pluralista, por valorizar os aspectos horizontais, ecumênicos e dinâmicos da sociedade norte-americana (de fato presentes), negligenciando os fatores de estratificação social.

****

Num próximo post, colocarei o fato anunciado.

São Paulo, domingo, 5 de novembro de 2006

Umas palavras sobre democracia

Autor: Edson   |   23:01   1 comentário

Fonte: livro "Projeto de Constituinte Angustia o País", Plínio Corrêa de Oliveira

Democracia é a forma de governo em que a direção do Estado cabe ao povo. O pressuposto da democratização política é a igualdade de todos perante a lei.

A situação ideal da democracia é aquela em que a vontade popular é unânime acerca dos assuntos de interesse público. Mas tal situação só muito raras vezes se verifica na prática. E só acerca de questões determinadas. Quando ela ocorre, costuma ser efêmera.

Assim, na democracia se atribui a força decisória não à unanimidade dos cidadãos, mas à vontade da maioria deles.

Nos países de muito pequena população, a democracia se tem exercido pela manifestação direta da vontade de cada cidadão, expressa em reunião plenária, levada geralmente a efeito em logradouro público. A contagem dos votos se faz publicamente e in actu. Tal é a chamada democracia direta.

Esta se exerceu em remotas eras. Por exemplo, nos Estados de dimensões municipais da antigüidade helênica.

Nos países modernos, dado que a amplitude da população e do território tornam impossível tal modo de ser da democracia, esta última se exerce de modo indireto, ou seja, representativo.

Assim, os cidadãos elegem os representantes que votam as leis e dirigem o Estado segundo as inteções do eleitorado. É a democracia representativa.

Sobre a democracia como forma de governo, houveram diversos autores, são eles, entre outros, Thomas Hobbes, John Locke, Jean-Jacques Rossueau, Edmund Burke, Thomas Paine, Benjamim Constant, Stuart Mill, Walter Bagehot.

Quais são os principais obstáculos para o nosso sistema de Democracia Representativa funcionar?

Bem, a relação entre o eleitor e o candidato por ele sufragado, é, em essência, a de uma procuração.

O eleitor confere ao candidato a senador ou deputado de sua preferência um mandato para que exerça o Poder Legislativo segundo o programa que este deve expor normalmente ao conhecimento do eleitorado durante a campanha eleitoral: programa que este se supõe que o eleitor tenha lido previamente, e que ratifica ao dar seu voto ao candidato em questão. Uma vez eleito, o deputado ou senador é assim um mandatário do eleitor.

Segundo a ordem natural das coisas, a normalidade de um ato praticado pelo procurador está condicionada:

1º) à liberdade do mandante no ato de escolha do procurador;

2º) à autenticidade de procuração e a clareza dos poderes e das instruções que a procuração contém;

3º) à expressa aceitação do mandato pelo procurador;

4º) à atuação deste em estrita conformidade com os poderes e as instruções que recebeu.

A faltar alguns destes elementos, a ação do procurador poderá ser tachada de inautêntica.

Sem isto, a democracia não passa de uma fraude.

São Paulo, sábado, 4 de novembro de 2006

Castidade e abstinência freiam a AIDS em Zâmbia

Autor: Edson   |   19:05   Seja o primeiro a comentar

Fonte: www.catolicismo.com.br

Zâmbia alcança sucessos na luta para deter a AIDS, graças à promoção da castidade e da abstinência sexual nas aulas de catecismo, narrou o Pe. Alick Mbanda. E denuncia que “o governo fez muito pouco e tarde demais”. De fato, ONGs financiadas pela ONU e fundações ocidentais promovem a distribuição de preservativos e denigrem a atuação da Igreja. Assim agindo, o governo promove a morte de incontáveis zambianos. O país conta com 1,2 milhão de aidéticos numa população de 11 milhões, e 34% das crianças são órfãs por causa da pandemia.

São Paulo, quarta-feira, 1 de novembro de 2006

Assim morreu Bayard

Autor: Edson   |   22:48   2 comentários

Fonte: Marcel Brion, "História", nº 329, abril de 1974

Os atiradores eram excelentes. Dois tiros simultâneos: um prostrou por terra mortalmente Jean de Chabannes, senhor de Valdenesse; o outro atingiu Bayard e lhe quebrou a espinha dorsal. "Senhor Jesus!" — bradou, agarrando-se no arção de sua cela para não cair. Aqueles que o rodeavam ouviram-no ainda exclamar: "Senhor Deus, vou morrer!"

Correram para auxiliá-lo, mas todo socorro humano era impotente. Sentindo que suas forças o abandonavam, Bayard tirou sua espada, que havia tanto tempo o acompanhava em todas as pelejas, e que tão bem lutara pela França. Ergueu-a, contemplou-a, depois osculou a cruz que havia no punho, como se quisesse associar, neste gesto, a devoção pelo Redentor e o amor pela arma do cavaleiro.

"Miserere mei, Deus, secundum magnam misericordiam tuam" — escapa de seus lábios contritos. Repentinamente calou-se. Estava mortalmente pálido e oscilava na sela. Jean Joffrey, seu escudeiro, que havia muito tempo o servia fielmente e o escoltava em todas as suas proezas, ajudou seu senhor a descer do cavalo.


À sombra do carvalho

Bayard reabriu os olhos. Com um gesto mostrou um carvalho que havia por perto, e fez sinal de que queria repousar à sombra da árvore venerável. "Desejo esperar a morte vendo de frente meus inimigos — murmurou —. Eu nunca lhes voltei as costas. Pela honra de cavaleiro católico, não é agora que o farei". Um nobre aliado seu aproximou-se, suplicando a Bayard que se deitasse na maca que os soldados haviam feito com suas lanças; mas ele recusou.

Bayard se aproximava de sua última proeza: o encontro face a face com Deus. Por entre seus últimos esforços, ouviram-se dele estes gemidos: "Em cada movimento sinto as dores da morte que me vem buscar".

Seu escudeiro chorava, ajoelhado junto a seu senhor. Bayard, apesar de seu estado, demonstrando um afeto especial, afagou-lhe a cabeça: "Jacques, amigo, enxuga essas lágrimas. É vontade de Deus que eu deixe este mundo. Por Sua graça eu nele fiquei muito tempo, e recebi bens e honras imerecidos. A única coisa que lamento é não ter cumprido meu dever tão bem quanto deveria. Se tivesse mais tempo, corrigiria as faltas passadas; mas se Ele me quer chamar agora, suplico que Ele tenha piedade de mim, pela sua imensa misericórdia. Confio que, pela intercessão de sua Mãe Santíssima, ele olhará para sua misericórdia, e não para meus pecados, que pediriam Sua Justiça punitiva".

Os inimigos assomam ao longe, dirigindo-se em carga de cavalaria a Bayard e seus companheiros. Querendo poupar sacrifícios a seus pares e súditos, Bayard logo pediu que o deixassem, mas eles com galhardia não acederam.

Então o nobre cavaleiro pediu a seu escudeiro que o ouvisse em confissão, pois ali não havia sacerdote que pudesse escutar suas faltas e lhe dar a absolvição. Ao preboste de Paris, Sr. d’Alègre, ele confiou seus últimos desejos.


Despedida dos seus

Depois disso ele suavemente afastou de si os que o rodeavam: "Senhores, eu vos suplico, ide-vos. Do contrário, caireis nas mãos dos inimigos, e isto não me será de nenhum proveito, porque me sentirei culpado. Adeus, meus bons senhores e amigos. Recomendo às vossas orações minha alma pecadora. Eu vos suplico, senhor d’Alègre, que saudeis por mim o rei, nosso senhor. Dizei-lhe quanto lamento não ter podido servi-lo por mais tempo e como eu muito gostaria. Saudai também os senhores príncipes, todos os meus companheiros e todos os gentis-homens da doce França, quando os virdes".

Eles insistiram em ficar, segurando mesmo suas vestes, mas ele os repeliu com uma afetuosa insistência; e como quisessem resistir, fez um gesto: "Eu ordeno!" Docilmente eles se despediram. Entre lágrimas, beijaram-lhes as mãos, enquanto crescia o grupo de cavaleiros inimigos. Via-se o brilho dos capacetes e o movimento dos estandartes.

Joffrey era o único junto dele. Bayard, exausto, fechara os olhos. O vento agitava os ramos do carvalho.


O inimigo espanhol

Quando Bayard, com dificuldade, reabriu os olhos, um cavaleiro coberto de esplêndida armadura, refulgente de sedas e penachos, estava diante dele. Bayard sorriu. Era um adversário digno dele, um bravo guerreiro: o marquês de Pescara. O general espanhol estava admirado de ver um homem reclinado num tronco, junto ao qual chorava o escudeiro. Quando reconheceu o "cavaleiro sem medo e sem mácula", o marquês desmontou rapidamente e se aproximou, cheio de respeito e compaixão.

"Prouvesse a Deus, senhor de Bayard, que eu vos fizesse prisioneiro, mesmo que para isso derramasse a quarta parte do meu sangue. Nesse embate que teríamos, conheceríeis o grande apreço que tenho por vossas qualidades. Desde que empunhei armas, não ouvi falar de cavaleiro que, em virtudes, se aproximasse de vós!" Assim falava ele por causa da grande fama que Bayard tinha adquirido, pela sua vida de valor e devotamento, o que obrigava seus próprios inimigos a admirá-lo, respeitá-lo e temê-lo.

"Eu deveria estar bem aliviado de vos ver assim — disse ainda o marquês — sabendo bem que nas guerras o Imperador, meu senhor, não tem maior nem mais feroz inimigo. Entretanto, quando considero a enorme perda que hoje sofre a Cavalaria, Deus é testemunha de que eu preferiria dar a metade do que possuo, para que tal não acontecesse. Mas como para a morte não há remédio, peço Àquele que nos criou à Sua Imagem que se digne levar vossa alma para junto d’Ele".

Em seguida insistiu para que o deixasse levá-lo a seu castelo, assegurando-lhe que seus cirurgiões o curariam. Jamais um cavalheiro usou convites tão amáveis e insistentes para atrair a seu castelo um nobre hóspede. Bayard sabia que Pescara era sincero, e que seria tratado como cavaleiro por esse inimigo honrado. Pressentindo que a morte lhe era certa, Bayard, apesar de seus ferimentos, declinou honrosamente o convite: "Prefiro a simplicidade do campo de batalha, pois desejo morrer como o guerreiro que sempre fui".

Pescara acedeu. Para atender aos desejos do Cavaleiro, ele fez armar sua própria tenda ao redor da árvore, arrumou um leito e nele colocou, com suas próprias mãos, o inimigo ferido. Então, ali já não estavam dois guerreiros inimigos servindo causas opostas, mas dois cavaleiros, fraternalmente unidos pelo espírito da Cavalaria, animados do mesmo ideal, que as circunstâncias tinham colocado em campos opostos, embora nutrissem mutuamente uma admiração varonil.

Bayard não quis receber os médicos que se apresentaram para tratá-lo. Acolheu devotamente o capelão do marquês, ao qual renovou sua confissão feita minutos antes a Joffrey, seu escudeiro. Depois pediu que o deixassem sozinho.

Enquanto ele se recolhia, Pescara organizou seu exército em ordem de desfile. As ordens de comando ressoavam de uma extremidade a outra do esquadrão; ouvia-se o galope dos cavalos, o rufar dos tambores, o soar das trombetas. Todos esses sons familiares flutuavam ao redor do agonizante.

Irrompeu o som marcial de uma grande fanfarra, acompanhando o passo cadenciado dos cavalos e a marcha pesada dos inimigos de Bayard. O exército espanhol desfilava ante o Cavaleiro moribundo, inclinando seus estandartes no momento em que passavam pelo carvalho. Assim era o último adeus de Pescara, a última homenagem de um bravo prestada a outro bravo. "A França tem uma perda irreparável neste nobre Cavaleiro, dizia François d’Avalos, antes de se despedir dele".

A noite caía. O rumor do exército em marcha se extinguia ao longe. Novamente a calma do crepúsculo e o silêncio rodeavam o carvalho. Bayard rezava.

Último encontro

Uma voz familiar o arrancou de sua meditação: "Ah! Senhor de Bayard, que sempre estimei por vossa bravura e lealdade, muito lamento ver-vos neste estado!"

O rosto de Bayard tornou-se grave e hostil. Por que ser perturbado por tal homem, em tal momento? O condestável de Bourbon estava à sua frente, e em seu olhar havia uma sincera compaixão e também uma admiração sincera; talvez remorso.

O momento não era para explicações. Bayard não queria saber as razões que haviam levado esse homem a combater num exército estrangeiro e contra seu rei. Sem dúvida, Bourbon viera para se justificar, para explicar, mas Bayard não queria ouvi-lo, não queria conhecer as explicações de um homem que havia cometido uma felonia em relação ao seu rei.

Bourbon esperava uma palavra: um julgamento ou um perdão. Queria partir absolvido por este homem de honra, mas Bayard desdenhou discutir. "Senhor, eu vos agradeço. Não tenhais piedade de mim, que morro como homem de bem, servindo meu rei. Mas ai de vós, que empunhais armas contra vosso príncipe, vossa pátria e vossa Fé".

Dito isto, calou-se. Já estava acima de vãs querelas humanas, de ambição e de interesse; de guerras absurdas, de intrigas mesquinhas, de matanças inúteis. Bayard pertencia agora a Deus, e para Ele dirigia seus últimos pensamentos. À medida que se afastava da terra, ele se aproximava da pura luz da suprema Verdade, das certezas definitivas. Rezava.

"Meu Deus, Vós que dissestes, eu o sei, que aquele que se voltasse para Vós, embora pecador, estaríeis sempre pronto a recebê-lo e perdoá-lo. Ah!, meu Deus, Criador e Redentor, eu vos ofendi gravemente durante minha vida. Peço-vos perdão, com o coração contrito. Reconheço que, se me retirasse por mil anos no deserto, vivendo a pão e água, isso ainda não seria bastante para entrar em vosso reino, se, por vossa grande e infinita bondade não vos dignásseis ali me receber, porque ninguém pode merecer neste mundo tão alta recompensa. Meu Pai e Salvador, eu vos suplico que não considereis as faltas que cometi. Julgai-me segundo vossa grande misericórdia, e não segundo os rigores de vossa justiça".

O sol desaparecera. A noite caíra. A oração de Bayard interrompeu-se. O Cavaleiro estava na presença de Deus.